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Em Defesa da Sociedade

por Rubens Approbato Machado em 5/14/2021

Em Defesa da Sociedade Rubens Approbato Machado

"É certo, porém que, seja qual for o mecanismo, ou o Congresso põe um ponto final no reiterado desrespeito a si próprio e à Constituição ou então é melhor reconhecer que no país só existe um "poder de verdade", o do presidente. E, daí por diante, esqueçamos também de falar em "democracia"

(Fernando Henrique Cardoso, artigo "Constituição ou prepotência?", Folha, 07.06.90, a respeito das medidas provisórias)

O trecho transcrito, se lido na solenidade de posse dos novos dirigentes do Judiciário, teria suscitado o mesmo tipo de reação por parte do presidente da República, considerando "oportunista" ou "covarde" tal citação, caso o inserisse no meu discurso por ocasião da posse do ministro Marco Aurélio na presidência do Supremo Tribunal Federal? Nos atos públicos, solenes ou não, se faz necessária a censura prévia de manifestação ou pensamento?

"Suportam melhor a censura os que merecem elogios". A frase lapidar do filósofo alemão Karl Pope permite inferir que os mais sujeitos às críticas abominam a censura. E quando as críticas revelam um certo sentimento geral de que elas têm fundamento, a reação negativa dos criticados pode indicar ultrapassagem dos limites do razoável. É o que posso depreender da reação do presidente Fernando Henrique Cardoso às observações que fiz no meu pronunciamento, sem adjetivos e ilações que pudessem macular a sua honra pessoal ou a sua tradição de democrata convicto.

Pontos dos quais não transijo: falei não só o que sinto, reproduzi o pensamento da maioria dos advogados e o sentimento da sociedade, cuja caixa de ressonância é a OAB, pela sua tradição histórica e institucional na defesa do primado do direito e da justiça. Usei a tribuna adequada, no momento apropriado e na cerimônia mais legítima.

Aquela cerimônia representava um evento da maior significação para a vida institucional do país, tanto pelo conceito que simboliza a mais alta Corte de Justiça quanto pela investidura na presidência de um juiz de perfil polêmico, a quem se atribuem, dentre outros, os valores da independência e da altivez.

O Judiciário, pelas suas mais altas vozes, vem clamando contra as medidas provisórias e contra os atos dos entes públicos que entulham os pretórios e as cortes superiores de medidas judiciais em que o poder público é parte.

O momento, o lugar e o cenário eram, portanto, corretos para, da tribuna dos advogados, a OAB se posicionar contra o pandemônio legislativo e clamar pela paz social e por um efetivo e concreto Estado de Direito. O ambiente da Justiça é o maior espaço da cidadania. Os advogados e a OAB têm sido, ao longo da história, o símbolo de defesa da sociedade. Em sua memória registram-se as lutas da independência, da proclamação da República, contra a escravatura, contra o Estado Novo, contra a ditadura militar e contra a desordem institucional.

O espaço da tribuna do STF, de onde falei, é dos advogados, é da OAB, para exprimir e interpretar os sentimentos não apenas dos profissionais do direito, mas da sociedade. A OAB não usurpou espaço de ninguém. E não precisa pedir licença para falar. Nunca se intimidou e não temerá nenhum tipo de censura. A tribuna era, portanto, a adequada.

Não poderia haver momento mais apropriado para trazer à tona os problemas relevantes do país. Ali estava a elite institucional do país, a partir do mandatário maior, o presidente da República. Ali estava o comando das decisões dos três Poderes. Não poderia, sob pena do grave pecado de omissão, deixar de mencionar questões centrais, como as tão combatidas medidas provisórias, essas sim, usurpadoras de poder e de espaço, na medida em que corroem as funções do Parlamento. O país certamente aguardava a resposta governamental, abordando o mérito das críticas, e não o ataque pessoal ao representante da OAB e nem a dimi