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A clonagem benéfica e a indesejável

por Academus em 5/14/2021

A clonagem benéfica e a indesejável

Um espectro ronda a ciência: é o espectro do doutor Frankenstein, o celebérrimo personagem da romancista inglesa Mary Wollstonecraft Shelley, que gera por meios artificiais um indivíduo monstruoso. Metaforicamente, Frankenstein está no centro do debate sobre a clonagem humana. Como se sabe, clonar consiste em formar e implantar em um útero, a partir de uma célula adulta, um embrião que, ao nascer, terá todas as características genéticas e morfológicas do doador, como se fosse sua cópia viva.

Há quatro anos, com inevitável estrépito, o termo clonagem entrou para o vocabulário leigo, quando pesquisadores escoceses apresentaram ao mundo a ovelha Dolly, o primeiro mamífero a ser uma completa réplica de sua mãe. A onda sensacionalista que se seguiu, alimentando na imprensa popularesca teorias delirantes sobre o uso da técnica para formar legiões de robôs humanos, usinas de órgãos para transplante ou exércitos de super-homens, ignorava dois dados elementares.

O primeiro é que, embora indistinguíveis na aparência e na bagagem genética de que seriam portadores, os hipotéticos clones de um ser humano não teriam a mesma personalidade, nem a de seu genitor comum. Até gêmeos idênticos - clones um do outro, por assim dizer - costumam ter personalidades diferentes entre si e de seus pais. Ao contrário do que Freud dizia da anatomia, com uma ponta de humor, DNA não é destino.

O segundo dado desprezado é que a clonagem é um processo repleto de falhas e riscos - tanto maiores quanto mais complexos os organismos que se pretendam clonar. Para Dolly vir à luz foram manipulados nada menos de 277 embriões; destes, apenas 29 foram suficientemente viáveis para implante em úteros; e, destes, só 1 sobreviveu ao nascimento. Desde então, a técnica vem sendo utilizada, com os mesmos problemas, em bois, porcos e camundongos.

A clonagem humana continuaria sendo um projeto para o futuro não fosse o aparecimento de um par de médicos, provavelmente aventureiros, Severino Antinori e Panayiotis Zavos, que anunciaram aos quatro ventos estar em condições de clonar futuros bebês para casais inférteis, a partir de célula do pai ou da mãe. O escândalo - ético e científico - provocado pela dupla acabou contaminando uma forma altamente promissora e benéfica de clonagem: o trabalho com células-tronco, ainda indiferenciadas, isto é, sem função definida no organismo.

O manejo de células-tronco poderá representar um avanço revolucionário para a cura de lesões e doenças devastadoras, como o mal de Alzheimer e o mal de Parkinson, entre inúmeras outras. Na chamada "clonagem terapêutica", as células-tronco multiplicadas em laboratório formariam tecidos saudáveis para implante nos órgãos enfermos. Embora possam provir também de placentas e de organismos adultos, no estágio atual da ciência apenas as células extraídas de embriões fertilizados poucos dias antes se prestam para aquela finalidade.

Os que se opõem ao aborto por achar que se trata de uma forma de homicídio tendem igualmente a resistir à clonagem terapêutica, porque o processo destrói os embriões utilizados. Para eles, a origem dos embriões é outro problema ainda. Normalmente, os pesquisadores utilizam células-tronco obtidas em clínicas de fertilização assistida, onde os embriões formados in vitro e não implantados nas pacientes são congelados ou descartados. Outros poderão ser produzidos deliberadamente para a clonagem celular.

Nos Estados Unidos, as objeções dos grupos religiosos e o pânico semeado pelas bravatas de Zavos e Antinori levaram a Câmara dos Representantes a proibir qualquer modalidade de clonagem humana. Na quinta-feira, porém, contrariando promessas de campanha, o presidente George Bush - preocupado talvez com a eventual fuga de cérebros do país e os prejuízos potenciais para o setor de biotecnologia - concordou em destinar verbas federais para pesquisas com células-tronco embrio Autor(es)