Nosso Conteúdo

Artigos

Voltar

A hora e a vez da Arbitragem

A hora e a vez da Arbitragem

Não é só o Estado que pode resolver os conflitos de interesse. Essa é a idéia simples - e extremamente inovadora - que tem evoluído nas Democracias desenvolvidas do mundo contemporâneo, tendo em vista possibilitar a solução de disputas, entre partes, por mecanismos fora do Poder Judiciário, como são os Juízos Privados de Arbitragem. No Brasil, o sistema foi introduzido pela Lei de Arbitragem (Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996). Como não poderia deixar de ser, em se tratando de um sistema moderno, que favorece a celeridade, a eficiência e a qualidade das decisões que têm por escopo "dar a cada um o que é seu" - para evocar o primado clássico da Justiça -, a Arbitragem tem encontrado resistências e provocado controvérsias teóricas. Já se disse que isso era previsível, porque nossa formação jurídica tradicional, desde os bancos acadêmicos, gira muito mais em torno do litígio do que da mediação. Apesar disso, e mesmo que a inconstitucionalidade de alguns artigos da Lei de Arbitragem estivesse em causa no Supremo Tribunal Federal, nos últimos quatro anos - o que levava à incerteza quanto à sua utilização - o uso da Arbitragem cresce de modo significativo, em nosso país, especialmente para dirimir conflitos de natureza trabalhista e comercial - neste caso, com destaque para os contratos com empresas estrangeiras.

No último dia 3, o Supremo deu um passo decisivo para o pleno êxito da Arbitragem no Brasil, pois, com o voto da ministra Ellen Gracie Northfleet, passaram ao número de 6 (entre 11) os ministros do STF que não julgam inconstitucionais os artigos 6.° e 7.° da Lei de Arbitragem. Tais dispositivos haviam sido considerados inconstitucionais pelo ministro Sepúlveda Pertence, relator em recurso interposto por uma empresa suíça contra uma brasileira. A tese de Pertence - endossada pelo ministro Sidney Sanches - é a de que tais artigos são inconstitucionais porque obrigam as partes signatárias do contrato (que prevê a arbitragem) a resolver os eventuais litígios exclusivamente por meio da Justiça Privada, renunciando à via judicial, o que contraria o artigo 5.° da Constituição de 1988, que assegura a todos o direito de recorrer à Justiça.

Já a ministra Ellen Gracie, com a posição que se tornou majoritária no Supremo, assim se pronunciou sobre a matéria: "Não vejo renúncia à tutela judicial neles, mas uma mudança no foco e na ocasião em que se dará o apelo ao Judiciário." E em outro tópico de seu voto a ministra afiança: "O cidadão pode invocar o Judiciário para solucionar os conflitos, mas não está proibido de acessar outros meios." Por sua vez, o ministro Marco Aurélio Mello, defendendo a constitucionalidade dos referidos artigos, ressaltando que aquele era um dos julgamentos mais importantes submetidos ao STF, e que a Lei segue a tendência mundial de evitar a sobrecarga do Judiciário e solucionar os conflitos de interesses no menor tempo possível, enfatizou: "O legislador foi cuidadoso, não barrou o acesso ao Judiciário quando os conflitos envolvem direitos indisponíveis. Os dois artigos não impedem isso, ao contrário, são uma consagração à liberdade e ao princípio da vontade do cidadão garantidos na Constituição."

Aí o ministro ressaltou aspectos importantes para o entendimento desse mecanismo alternativo de realização da Justiça. Primeiro, o fato de a Arbitragem restringir-se aos conflitos sobre direitos patrimoniais disponíveis, quer dizer, aqueles em que a vontade de seus titulares pode operar de maneira autônoma. Segundo, o objetivo de diminuir a sobrecarga do Poder Judiciário, o que é uma das causas indiscutíveis da morosidade crônica da Justiça brasileira. E, terceiro, a referência à "liberdade e ao princípio da vontade do cidadão", como valores consagrados no ordenamento jurídico das Democracias modernas. Nesse ponto, não há como dissociar essa tendência dos traços característicos do melhor pensamento liberal, que Autor(es)