A Rocha de Tarpéia

A Rocha de Tarpéia

Dos sete montes próximos à cidade de Roma, coube ao menor, o Monte di Capitoline, tornar-se o mais famoso, não apenas por se tornar um centro religioso, mas porque, em sua face sul, se localiza um abismo de triste memória. Reza a lenda que, algumas décadas após a fundação de Roma, Rõmulo teria as terras de Salines e violado todas as mulheres locais. Após alguns anos, Salines organizou um exército para atacar Roma. Tarpéia, encarregado de defender o monte, não só não o fez como lhes serviu de guia até o Capitólio. Tarpéia traíra Roma por ouro e jóias. Mas o "prêmio" que seus aliados lhe deram foi lançar a ele e seus soldados no abismo.

Verdadeira ou não, a lenda serviu para que ali, durante séculos, fossem lançados os condenados e os considerados "traidores" de Roma. Não apenas estes, mas também os recém-nascidos malformados, os inválidos, os doentes crônicos, etc. Praticava-se, assim, o que então se chamava de "purificação" da sociedade e da raça… Mas apesar disso, a Rocha de Tarpéia ficou conhecida mesmo como o destino inevitável dos traidores.

Mussolini citava-a com freqüência. Consta que , quando os italianos, na 2ª Guerra, mudaram de lado e se aliaram aos norte-americanos , ao ser brutalmente chacinado por seus antigos companheiros, as últimas palavras do "duce" foram as seguintes: "Estão loucos?! Pois saibam que logo descobrirão quão próximo é o Capitólio da Rocha de Tarpéia!!!

Embora o líder fascista fosse obcecado pela grandeza de Roma , buscando sempre restaurar os seus símbolos, as suas histórias e mesmo as suas lendas, o fato é que a mitologia romana era sábia: vasculhava, por meio de suas parábolas, os recônditos mais profundos da alma humana. Todos nós, mesmo sem conhecer a lenda, ansiamos por uma Rocha de Tarpéia bem próxima de nós. Ali, se fosse ela o fim certo de todos os traidores!

Lembrei-me de Tarpéia quando, outro dia, comecei a fazer uma retrospectiva política deste ano, em São Paulo. O Ministério Público, principalmente a sua ala mais jovem, nos fazia urrar, como num campo de futebol, a cada vez que se levantavam provas e evidências de práticas corruptivas por parte dos vereadores. Parecia que desta vez, com o apoio explícito da Globo, haveríamos finalmente de separar "o joio do trigo", realizar uma verdadeira faxina ética para que os meliantes fossem exemplarmente punidos e , na nossa Câmara Municipal , só restassem aqueles que se conduzissem com um mínimo de ética.

Lembro-me de que, meses atrás, um grande jornal publicou a foto e o nome de todos aqueles que estavam sendo minuciosamente investigados, em razão de suspeitas com relação a seus atos. Eram mais de 20, com certeza. Hoje, estranhamente, a Globo não fala mais deles, não se tem notícia do ímpeto investigativo dos procuradores e punidos, realmente, foram apenas dois , além, é claro, da arraia-miúda, que sempre é o bode expiatório nesses casos.

Passou-se a investigar o próprio prefeito , com a inestimável demonstração de lealdade de sua esposa. E, de repente, num passe de mágica, os réus passaram a ter o status mais seguro de juizes. Afinal, eram eles que iriam julgar o prefeito na hipótese de um processo de impeachment.

Ora, de duas, uma: ou os investigadores foram extremamente irresponsáveis ,muitos meses atrás , por terem, de forma leviana, exposto à execração pública mais de 20 "respeitáveis" vereadores; ou estão sendo irresponsáveis agora , há meses que já não se apresenta nenhum progresso nas suas outrora "implacáveis" investigações…

Pitta vai, Pitta vem… e os vereadores voltaram a dormir tranqüilos. Os suspeitos agora somos todos nós, 10 milhões de paulistanos: afinal, estamos todos exercendo o Autor(es)