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Incidente de Inconstitucionalidade

por Academus em 5/14/2021

Incidente de Inconstitucionalidade

A maneira que o governo escolheu para introduzir no ordenamento jurídico o incidente de inconstitucionalidade - mecanismo processual pelo qual as ações que contenham controvérsias constitucionais seguem direto para julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) - foi, de fato, um tanto esquisita, uma vez que a proposta seguiu no bojo de um pacote tributário, integrando a emenda constitucional que prorroga a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Essa inesperada intromissão até levou o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STF), ministro Paulo Costa Leite, sem entrar no mérito do novo instituto proposto, a considerar sua súbita aparição um susto semelhante ao provocado pela entrada inesperada de um jabuti.

É evidente, porém, que esse mecanismo pode contribuir, substancialmente, para reduzir o volume colossal de processos que chegam ao Supremo, versando sobre as mesmas dúvidas constitucionais, porque juízes de primeira instância, atualmente, podem declarar a inconstitucionalidade de uma norma, mesmo que suas sentenças contrariem a jurisprudência da mais alta corte de justiça do País. E as deliberações - sobre constitucionalidade - das instâncias inferiores vão acabar se afunilando no Supremo, sobrecarregando-o com questões constitucionais às vezes já decididas pela Alta Corte milhares de vezes, por causa da ausência de algum efeito vinculante.

A propósito da sobrecarga do Supremo, sempre é bom compará-la com o volume de trabalho jurisdicional da instituição que inspirou sua criação nos primórdios da nossa República - ou seja, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América. A mais Alta Corte de justiça norte-americana julga, anualmente, 300 processos. E a nossa? Nada menos do que 100 mil! Só por aí já não dá para perceber que alguma coisa não está funcionando direito no nosso sistema processual?

Compreende-se que uma inovação legislativa que atinja questões de competência, no âmbito do Judiciário, desperte polêmicas. É preciso distinguir, no entanto, as divergências que se fundamentam em convicções jurídicas daquelas que emanam do simples corporativismo. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirmou que o tema exige discussão - no que tem razão - e que o incidente de inconstitucionalidade equivale à criação de uma só instância jurisdicional no País - o que é um exagero. Já o advogado-geral da União, anunciando que "o governo está preparado para essa briga", afiança que o novo dispositivo "é um instrumento que permite que se resolvam mais rapidamente questões que levariam anos para serem definidas, acabando com a insegurança jurídica em certas matérias" - e o mencionado acúmulo no Supremo fala em favor de seu argumento.

Por sua vez, o secretário-geral da Presidência, Aloysio Nunes Ferreira, parece disposto a enfrentar, de fato, um dos mais sólidos corporativismos caboclos, ao dizer: "Tudo o que descomplica o processo judicial enfrenta resistência, pois reduz o poder do juiz e os honorários dos advogados." Não se trata de uma opinião, mas de uma constatação. Quanto aos que julgam que o incidente de inconstitucionalidade terá um efeito excessivamente centralizador - e dessa opinião compartilham tanto parlamentares da oposição quanto da base de sustentação do governo -, o Planalto pretende deixar claro que, na prática, o mecanismo não impede o questionamento judicial de medidas do governo nem a concessão de liminares por juízes de primeira instância.

Parece-nos que o mais importante a refletir, nessa questão, é sobre a necessidade de medidas que contribuam para diminuir o emperramento estrutural do Poder Judiciário brasileiro, que tem como causa maior a distorção processual que conduz ao excesso de recursos. E também é importante a reflexão sobre o fato de a Justiça tardia ser, por si, injusta, tanto por deixar de "dar a cada um o que é seu" em tempo oportuno, quanto por prejudicar um i Autor(es) Academus

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