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O Dom da Ciência e Lições de Abismo

O Dom da Ciência e Lições de Abismo

(Colaboração do Prof. Dr. Jacy de Souza Mendonça, da PUC-S. Paulo)

Meus caros amigos,

Aqui estou agora, pela última vez, neste curto tempo em que estive entre tantos amigos que conquistei. Eu teria preferido trocar a ordem destas duas conferências; mas na nossa organização preferimos fazer aquela do Cântico dos Cânticos hoje à tarde, e deixar esta para agora. É pena, porque nesta leitura que lhes vou fazer, sinto-me um pouco embaraçado. Não é cômodo falar de si mesmo, daquilo que a gente fez, de um livro, enfim… Não proponho, propriamente, explicar como é que eu fiz, como por exemplo, um grande poeta, um pouco por mistificação, Edgar Poe, explicou o seu grande poema, o Corvo, demonstrando, pondo diante dos olhos do leitor as engrenagens de sua alma de poeta. Mais tarde, parece que ficou comprovado por uma correspondência com Mallarmé, que teria sido uma mistificação do poeta. É difícil explicar, mesmo porque a alma do artista não tem engrenagens, tem sangue, tem vibração mas não pode ser desmontada em partes, não pode ser explicada. Por outro lado, também, não me proponho a fazer a exegese, explicação, enfim, do que pretendia o meu personagem quase único. Mesmo porque a certa altura eu mesmo já não tinha o domínio completo sobre ele. Ele ganhou sua vida própria, tem seu mistério, sei lá, …e, cá entre nós, até seria uma incompreensão entre pai e filho: não entendo bem o meu personagem. Evidentemente, o processo de criação, da criação de um personagem, da criação de uma ficção, se faz à custa de uma clivagem do próprio coração, de uma divisão da própria alma. É dentro de nós mesmos que nós achamos o mundo, de heróis, de monstros e, com esse material, com a experiência profunda que nós mesmos encontramos, que se pode construir um romance, uma ficção; pôr de pé, andando, com vida própria, um personagem. Mas depois, não sei bem explicar como, ele ganha autonomia, vida própria, e se põe até um pouco para a conquista desta vida própria, com certa violência, em oposição com seu próprio criador. De modo que há entre nós dois uma certa incompreensão, uma certa dificuldade. Mas tentarei abordar o problema, não na sua vida psicológica, na sua vida íntima, nem nos processos propriamente da composição do livro, mas um problema, um problema filosófico vivido; um problema existencial, como se diz tanto hoje. Qual era o centro deste conflito em que meu personagem se agitava? Por que ele sentia aquele vento frio? Como explicar com termos de nossa doutrina, com termos um pouco filosóficos a posição de meu personagem? Esse será um pouco e de um modo irritante, vos digo, a perspectiva da nossa conversa. Mas antes de entrarmos neste assunto, eu queria lhes ler, com risco de quebrar um pouco a unidade de nosso trabalho de hoje, eu queria ler um discurso de agradecimento "que não foi publicado, o quanto eu sabia, pelo menos "e que foi pronunciado em condições singulares, às quais eu não estou muito habituado. É o prêmio que eu ganho na vida, de qualquer coisa, desde o colégio primário… De modo que a circunstância era inteiramente nova para mim, sobretudo novíssima, porque o ambiente em que me achei, Palácio do Itamarati, ao lado de dois ministros de Estado… Acontece que eu continuo sendo escritor, e eles já não são mais ministros… De onde se vê que aquele poderio, aquele prestígio deles é um bem mais leve, mais quebradiço do que, afinal de contas, e bom nome de um pobre escritor. Então, esse discurso tem, por assim dizer, o motivo de nossa conversa de hoje. Falei de leve no livro. Depois, então, vamos desenvolver a idéia aqui contida. Peço, então, que não estranhem o tom desta leitura que vou fazer, que estava dirigida, digamos, a um outro auditório. Mas, na sua maior parte, é independente do auditório e terá algum valor de esclarecimento. Depois de algumas formas de agradecimento inicial, que eu procurei tornar, dentro do possível, enfim, pouco convencionais, agradecendo, r Autor(es)

Conferência do Dr. Gustavo Corção - PUCRGS ( Julho de 1953