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O novo Código Civil

por Miguel Reale. em 5/24/2021

O novo Código Civil

Há razões para considerar um marco histórico a substituição do Código Civil, pois este constitui o miolo ou cerne do ordenamento jurídico da sociedade civil, fixando as diretrizes básicas que irão reger a forma de vida da gente brasileira. Costumo dizer que o Código Civil é o código do homem comum, visto como ele dispõe sobre a situação social e a conduta dos seres humanos, mesmo antes de seu nascimento, dadas as normas protetoras dos nascituros, e depois de sua morte, por preservar a sua última vontade e fixar o destino de seus bens.

Seria absurdo, num artigo, perder-me na minuciosa análise das alterações fundamentais introduzidas em nossa legislação civil, sendo preferível, em breve síntese, dizer algo sobre o espírito que presidiu à reforma feita, a qual assinala a passagem de um sistema de regras destinado a reger uma nação fundamentalmente agrária, à qual se destinava o Código de 1916, para uma estrutura cultural marcada por novos valores sociais, e pelas mais avançadas conquistas da ciência e da tecnologia. Nesse sentido bastará lembrar que, nas primeiras décadas do século passado, 70% do povo brasileiro morava no campo, enquanto que, hoje em dia, em igual proporção, vive nas cidades.

O Código Civil, ainda em vigor por mais um ano, representou, sem dúvida, uma contribuição estupenda da ciência jurídica nacional, mas, não obstante o seu alto valor, acrescido por precioso cabedal de doutrina e de jurisprudência, não mais corresponde às necessidades histórico-sociais de nosso tempo, máxime se atentarmos para as vertiginosas inovações ocorridas, em todos os planos da cultura universal, durante o século passado, o mais curto e revolucionário dos séculos, pois começa, a bem ver, com a 1.ª Grande Guerra e termina com a derrocada do Muro de Berlim.

Tão grande é o respeito que tenho pela obra do insigne Clóvis Beviláqua que, ao ser convidado pelo governo da República, em 1969, para superintender a atualização de nossa Lei Civil, após duas tentativas malogradas, preferi fazê-lo em colaboração com uma plêiade de jurisconsultos eminentes que exerceram a missão recebida com dedicação e zelo, sem exigir nenhuma compensação além da representada pela oportunidade que tinham de bem servir à comunidade nacional.

Foi em 1970 que deles recebi, para sistematizá-las, as propostas correspondentes a cada uma das áreas a eles conferidas, segundo estrutura inicial antes acertada, a qual abrange uma Parte Geral, conforme a concebeu o gênio de Teixeira de Freitas, e cinco Partes Especiais relativas ao Direito das Obrigações, ao Direito da Empresa, ao Direito das Coisas, ao Direito de Família e ao Direito das Sucessões.

Seja-me lícito ponderar que a estrutura do novo Código Civil não encontra símile em nenhuma outra nação, constituindo uma ordenação original em consonância com a nossa própria experiência jurídica e legislativa, na qual se veio expontaneamente compondo a unidade do Direito das Obrigações, em razão da vetustez do Código Comercial de 1850.

É indispensável ponderar que o novo Código Civil não abrange todo o Direito Privado, mas tão-somente as questões que emergem da unidade do Direito das Obrigações, como é o caso das normas relativas à atividade empresarial, permanecendo, pois, intocável o Direito Comercial com a respectiva legislação especial.

Foi sabidamente longa a tramitação do projeto que agora se converteu em lei, mas não tem sentido afirmar que, em razão do grande tempo decorrido, o novo Código Civil já nasceria velho, como se não houvessem sido aproveitadas todas as oportunidades para sua atualização e complemento, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal, levando-se sempre em conta as alterações verificadas no plano dos fatos ou da legislação.

É com a responsabilidade que me advém da longa idade e de aturado estudo que posso assegurar que foi sancionada uma Lei Civil que será da maior valia para o País, sobretudo em razão dos princípio Autor(es)

Miguel Reale