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Paulo Carneiro, um positivista integral

por Por: Miguel Reale. em 5/14/2021

Paulo Carneiro, um positivista integral Por: Miguel Reale.

A história da cultura nacional ainda tem imperdoáveis lacunas, que não fazem justiça a algumas das figuras mais representativas do País, como é o caso de Paulo Berredo Carneiro, sobre cujo centenário de nascimento proferi conferência recentemente na Academia Brasileira de Letras, à qual ele pertenceu.

Paulo Carneiro poderá, talvez, não ser o maior de nossos positivistas na versão de Augusto Comte, mas é, fora de dúvida, quem mais representa entre nós, de maneira integral, o pensamento desse filósofo francês, cujo lema "Ordem e Progresso" figura em nossa bandeira, tamanha a força que exerciam suas idéias nas últimas décadas do século 19, quando se deu o advento do regime republicano.

A República foi implantada no Brasil por vários motivos, quer em razão do ressentimento de vários líderes monarquistas, inconformados com a libertação dos escravos proclamada pela princesa dona Isabel, quer devido à propaganda feita por Benjamin Constant Botelho de Magalhães na Escola Militar, e pelo chamado Apostolado Positivista, organização não-governamental presidida por Miguel Lemos e Teixeira Mendes, tendo ele construído no Outeiro da Glória, no Rio de Janeiro, a igreja da Religião da Humanidade, pregada por Comte.

Paulo Carneiro nasceu sob o signo do positivismo, pois seus pais, Mário Barboza Caneiro e Maria Teodora de Berredo Carneiro, eram adeptos da Religião da Humanidade, em cujo templo se haviam casado, nela realizando a cerimônia do batismo, ou, mais precisamente, o "sacramento da apresentação", de seu filho.

Consagrado segundo o rito positivista (no fundo, um arremedo do rito católico, transposto da transcendência cristã para a imanência das relações sociais), Paulo Carneiro foi educado segundo as normas positivistas, aprendendo um ofício manual: toda manhã, às 6 horas, saía ele de casa para exercer as funções de "aprendiz de ferreiro", levando sua marmita como qualquer dos operários da fábrica de ferragens.

Foi sob essa influência pedagógica que Paulo Carneiro se diplomou em Química Industrial, estudando com tanto afinco e dedicação que, em 1929, fez jus a uma bolsa de estudos em Paris, no famoso Instituto Pasteur, ocasião em que se doutorou na Sorbonne com uma tese em que, pela primeira vez, foram analisadas a consistência e as propriedades de nosso guaraná.

De volta ao Rio de Janeiro, tornou-se ele, em virtude de concurso público, professor de Química da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, tendo voltado à França, em 1935, para continuar suas pesquisas no Instituto Pasteur. Foi então que se distinguiu por seu trabalho sobre o curare, o veneno com o qual os nossos índios embebiam a ponta de suas flexas, descobrindo que seus princípios ativos tinham salutar aplicação no campo da clínica médica, o que lhe valeu o Prêmio Nativelle, outorgado pela Academia de Ciências de Paris.

Foi com essas credenciais que Paulo Carneiro se tornou nosso representante junto à Unesco, primeiro como ministro e, depois, como embaixador, tendo sido nomeado membro de seu Conselho Diretor, no qual agiu, por vários anos, com tanto descortino e eficiência que seu nome é lembrado como um dos maiores líderes daquela entidade internacional.

Pois bem, não obstante suas altas funções diplomáticas, Paulo Carneiro não se esqueceu de seus deveres como positivista, reconstruindo à sua custa o túmulo de Augusto Comte e dando decisivo apoio à publicação dos Arquivos Positivistas, destinados a recolher todos os trabalhos inéditos desse pensador. Atenção especial deu ele à vasta correspondência de Augusto Comte, cuidando de localizar as cartas perdidas e ordenando, cronologicamente, todas elas, tarefa em que se empenhara desde sua primeira viagem a Paris.

Foi devido à sua participação criadora que foram publicados nada menos que 12 grossos volumes, um dos quais dedicado aos estudos juvenis de Comte, com