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A riqueza das maiores vítimas da pandemia: os mais velhos!

por Por: Pedro Vaz Patto. em 5/21/2021

Link original: https://www.cidadenova.org/opiniao/a-riqueza-dos-mais-velhos/

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A pandemia que nos vem atingindo desde há alguns meses suscita, justificadamente, uma reflexão sobre a situação da geração mais velha na sociedade atual.

Tem sido essa geração a maior vítima dessa pandemia e tem sido a proteção das suas vidas a justificar medidas preventivas que limitam fortemente a autonomia individual e com um custo económico que não tem paralelo. Nunca será demais sublinhar como o valor da vida humana, em qualquer das suas fases, justifica essas limitações da autonomia individual e supera qualquer custo económico.

Contra a ideia de que as vidas das pessoas mais velhas, com menor expectativa de duração futura, poderão ser, por isso, discriminadas, surgiram reações como a da petição lançada pela Comunidade de Santo Egídio, subscrita por personalidades de grande nomeada e de vários quadrantes, intitulada Sem Idosos Não Há Futuro (ver www.santegidio.org). Essa petição recusa a legitimidade de serviços de saúde seletivos: que aos idosos, pelo facto de o serem, sejam negados cuidados de saúde necessários.

Nessa linha, afirmou o cardeal Tolentino Mendonça, no seu muito apreciado discurso no dia de Portugal: «O valor da vida não tem variações». Na verdade, o valor da vida não é quantitativo (não se mede em anos ou de acordo com qualquer outro critério), é qualitativo. A dignidade da pessoa não depende de qualquer atributo ou capacidade que possa variar em grau ou que possa ser adquirido ou perder-se nalguma fase da existência. E um ano ou um mês na vida de uma pessoa, na fase final da vida ou em qualquer outra fase, pode ser tão ou mais rico, em experiências, ensinamentos ou descoberta de sentido, do que uma ou mais décadas.

O princípio da igualdade impede uma discriminação em função da idade, como impede uma discriminação arbitrária em função de qualquer outro critério (de raça, sexo ou posição social). Ao racismo e ao sexismo equiparar-se-á aquilo a que em inglês já se designa como ageism (e que já se tem traduzido em português por idadismo).

Não têm chegado a Portugal muitos reflexos desse idadismo. É verdade que cá, como em muitos outros países, uma grande parte das mortes devidas à Covid-19 ocorreram em lares de idosos. Mas eventuais situações pontuais de negligência, na gestão de situações dramáticas, não podem ofuscar o esforço heróico de responsáveis e trabalhadores de muitos lares, que fizeram tudo o que estava ao seu alcance para evitar essas mortes e evitaram que muitas mais ocorressem.

Importa, por outro lado, sublinhar como os danos causados aos mais velhos pela Covid-19 não se traduzem apenas nas mortes por esta causadas. Não se tem dado a devida atenção ao sofrimento que têm causado medidas que acentuam a já grave solidão que atinge muitas dessas pessoas, agora privadas de muitas visitas de familiares ou amigos.

De qualquer modo, o que, mais ainda, importa sublinhar é que a geração mais velha (que será cada vez mais numerosa no futuro próximo) não pode ser encarada como um peso, mas antes como uma riqueza. É o que, com insistência, tem dito o Papa Francisco: «a velhice não é uma doença, mas um privilégio»; os idosos são «a memória e a sabedoria dos povos»; «o futuro de um povo supõe necessariamente um diálogo e um encontro entre idosos e jovens para a construção de uma sociedade mais justa, mais bela, mais solidária, mais cristã».

Artigo publicado na Revista Cidade Nova de outubro de 2020